EM DEFESA DA SOBREVIVÊNCIA DO ISERJ - FOLHA DIRIGIDA 06/08/2009
Reeleita em maio diretora do Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Iserj) com 75% dos votos, Sandra Santos enfrenta novos desafios para implementar o seu projeto de gestão: oferecer formação da educação infantil à pós-graduação, como cursos técnicos e de nível superior, voltados para a formação de profissionais de educação.No início do mês passado, o antigo curso Normal Superior foi reconhecido oficialmente pelo Conselho Estadual de Educação (CEE/RJ) como de Pedagogia e a perspectiva de transferência do curso superior para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) parecia superada.No entanto, nesta semana, Sandra Santos foi informada do projeto da Secretaria Estadual de Educação (SEE) de transformar o Iserj na "Casa do Educador", retirando os alunos do Colégio de Aplicação (CAp-Iserj) para as redes municipais e transferindo os alunos do curso de Pedagogia para instituições do sistema estadual. Tão logo a comunidade acadêmica ficou sabendo, se mobilizou. Mesmo durante o recesso em função da Gripe A, a Associação de Pais e Alunos do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (Apierj) promoveu uma reunião e anunciou que pretende procurar a ajuda da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e do Ministério Público para evitar a transferência de, aproximadamente, 3.500 alunos. Depois de ter enfrentado uma luta nos tribunais para conseguir participar da consulta interna e continuar na direção do Iserj, já que uma norma da Faetec tentou impedir que servidores cedidos da Secretaria Estadual de Educação participassem da consulta, Sandra se prepara para essa nova batalha e anuncia a disposição da instituição em colaborar com a formação dos professores recém-concursados, desde que a atual estrutura, com o CAp-Iserj e o curso de Pedagogia, seja mantida. "Tivemos o apoio do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, que nos ajudou com sua assessoria jurídica para que eu pudesse participar da consulta. Agora, pais de alunos já se mobilizam para que a escola não saia daqui. Queremos comemorar os 130 anos do Iserj, no ano que vem, como uma instituição que ofereça cursos da educação infantil à pós-graduação, na perspectiva de formação de cidadão e profissionais de educação", diz a diretora do Iserj. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, a educadora também analisa o Plano Nacional de Formação dos Professores, anunciado pelo MEC, e chama atenção para a questão da ética profissional dos docentes.
Folha Dirigida - Como a senhora recebeu a notícia da transformação do Iserj na "Casa do Educador"?
Sandra Santos - O Iserj está em permanente estado de alerta. Praticamente uma vez por ano somos surpreendidos com notícias de mudanças no Iserj. Esta proposta visa aproveitar o espaço físico patrimonial em detrimento do espaço político-pedagógico. Na realidade, mais uma vez, o Iserj é procurado pela beleza do seu conjunto patrimonial, pela sua grandeza física. A "Casa do Educador" seria criada para oferecer cursos de capacitação daqueles docentes que já fizeram concurso público e irão atuar na rede estadual. Não compete a mim avaliar a pertinência desse projeto, mas o que nos causa estranheza é o fato de se encarar o espaço físico do Iserj como se fosse vazio. Mas nossa instituição é cheia de vida. Não há como sugerir algo que substitua a história de 130 anos do Iserj. Pelo projeto, o Iserj retornaria à Secretaria Estadual de Educação (SEE), a educação infantil e fundamental seriam diluídas nas redes municipais e a formação dos professores transmitida para as redes de ensino superior do estado. Além disso, haveria uma parceria público-privada com a Oi Telecomunicações.
Como essa medida repercutiu na comunidade escolar?
O Iserj, com seus 4.500 sujeitos, vem se organizando para viver o que deseja: uma instituição que da creche à pós-graduação visa formar o cidadão no eixo da educação, formando técnicos e professores. Esse é o nosso perfil, que nos congrega. Toda ajuda de restauro das nossas instalações é bem-vinda. Mas o aspecto pedagógico não pode ser substituído pelo físico. Não basta o restauro pelo restauro. Queremos que o nosso campus patrimonial seja um campus a serviço de crianças, jovens e adultos.
Qual é a pertinência da manutenção do CAp-Iserj para a formação dos professores?
O Colégio de Aplicação é importante para a prática dos professores e tem um trabalho desenvolvido ao longo da trajetória do Instituto. As atividades na educação básica validam a formação dos professores. Além disso, existe uma legislação específica que regulamenta os colégios de aplicação. Não se trata apenas de transferir os alunos para as redes municipais. Nesse caso, acredito que o aspecto econômico está se sobrepondo ao aspecto pedagógico. A senhora foi informada oficialmente do projeto de criação da "Casa do Educador"?Soubemos dessa intenção através da Apierj, que retirou um documento da internet informando anúncio da criação da "Casa do Educador" em um evento, que contou com a participação da secretária estadual de Educação, Tereza Porto, e da secretária municipal de Educação do Rio, Cláudia Costin. Então, fui à Secretaria Estadual de Educação (SEE) e conversei com Júlio da Hora, subsecretário de Gestão de Recursos e Infraestrutura da SEE. Ele disse que projeto existe e o Iserj seria uma das possibilidades de espaço físico para a "Casa do Educador". Estamos ponderando que, na realidade, não somos espaço livre para estar preenchido. Somos parte da educação brasileira. A formação de professor não pode ser vista só por uma secretaria; deve ser encarada de forma compartilhada. O Iserj já tem a sua história. Não podem querer trazer pacotes prontos e criar projetos como se fôssemos uma tábua rasa.
E caso a Secretaria de Educação pedisse a ajuda da instituição na capacitação dos professores recém-concursados, o Iserj estaria disposto a colaborar?
Sim, poderíamos colaborar desde que isso não significasse algo para substituir o que já temos. Para se implantar um projeto não é preciso destruir o que existe. Temos uma história de 130 anos na formação de professores, sendo dez anos em nível superior. Temos discussões acumuladas sobre formação de professores em várias áreas, inclusive na Educação Inclusiva. Hoje temos integrados na nossa escola 56 alunos especiais. Queremos trabalhar como um Centro de Profissionais de Educação Inclusiva. E o Iserj não deseja sair da Faetec. Já decidimos isso em assembléias internas.
E nesse sentido, quais são seus planos para o Iserj nessa nova gestão?
Vamos continuar formando técnicos em nível médio e continuar formando professores em nível superior. O Iserj, por ser um centro de referência na formação de professores, também precisa se preocupar com a formação dos profissionais de educação. Pretendemos formar também o inspetor, o secretário escolar em nível técnico, o técnico em Informática para o Ambiente Escolar e o técnico em Gestão Administrativa para o Ambiente Escolar. Isso não que dizer que vamos deixar de formar o técnico de Informática Geral, mas que tenhamos uma ou duas turmas com foco no Ambiente Escolar para que possamos adequar todo o perfil do Iserj tanto no nível técnico e do nível superior para profissionais de educação. O Iserj acredita que uma escola precisa de professores, mas precisa de secretários, inspetores, técnicos em Informática, merendeiras, animadores culturais e de agentes do patrimônio, principalmente em instituições tombadas como a nossa. Também nos anos finais do ensino fundamental queremos assumir a iniciação para o trabalho. E pensarmos a formação da Educação de Jovens e Adultos para o profissional que trabalha com a merenda e para o animador cultural e ainda o agente patrimonial, que seriam aqueles que aprenderiam, junto com Português e Matemática, a recepcionar pessoas em instituições tombadas. Esse será um diferencial pois dará sentido social ao aluno que está terminando o ensino fundamental. Isso ainda não existe. Isto está em vias de acontecer no próximo ano, nas comemorações dos 130 anos do Iserj.
Dentro dessas mudanças, existe a perspectiva de retornar a oferta do tradicional curso Normal em nível médio?
O Normal Médio ainda é necessário em nível de Brasil, por conta das dificuldades de um país imenso. Mas não é possível admitir que o profissional que trabalha com Português, Matemática, História, Geografia e Ciências tenha toda a sua formação apenas em nível médio. Só o ensino médio não dá conta de toda amplitude de conhecimento que vem se produzindo. Hoje, no Rio de Janeiro e em outras cidades, se mantém o Normal Médio. Temos um desafio para diretores, autoridades e professores responderem: como é que vamos dar conta dos Normais Médios, dos Normais Superiores, das Pedagogias? Nossa avaliação é que se deve buscar uma verticalidade: o aluno do Normal Médio deve ter continuidade nas Pedagogias públicas. O aluno que já começou a estudar para ser professor em nível médio, deve ter direito a um percentual no número de vagas, uma garantia de vinculação aos cursos públicos de Pedagogia e de Normal Superior. No ano em que o curso Normal Superior completou dez anos, foi oficialmente reconhecido como curso de Pedagogia.
Que avaliação a senhora faz desse processo?
No dia 9 de julho, foi publicado no Diário Oficial o parecer que reconhece por três anos o curso de Pedagogia com equivalência ao Normal Superior, com as ênfases de Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. O regimento do Iserj foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação e os diplomas são expedidos pela Uenf. Hoje, oferecemos um curso de Pedagogia com ênfase em Educação Especial ou em Educação de Jovens e Adultos. Essa mudança de nome de Normal Superior para Pedagogia foi uma demanda em grande parte dos alunos, até mesmo por conta de uma questão de inserção no mercado de trabalho. Permanecemos com as ênfases para que não perdêssemos toda a nossa história de Normal Superior.
Com está o Iserj em termos de infra-estrutura e de pessoal?
A relação com a Faetec já permite a elaboração de um Plano Diretor?No início deste ano, a Faetec passou por uma mudança de presidência. Quem assumiu o comando foi o professor Celso Pansera, em janeiro. Nós estamos construindo uma relação muito mais profícua com a presidência da Faetec atual, na perspectiva de que ele respeite a diversidade de servidores. E isso vem dando um tratamento equânime entre os servidores da Faetec e os servidores da Educação. Havia discriminação entre o pessoal cedido da educação e os funcionários efetivos da Faetec?A antiga presidência também tinha esse entendimento. Já a atual presidência não: entende que deve haver um tratamento equânime entre os dois tipos de servidores e existe todo um estudo junto ao secretário de Ciência e Tecnologia, de se incorporar definitivamente esses servidores cedidos, garantindo tratamento equânime inclusive em nível salarial e não apenas funcional. O que para nós é extremamente importante porque é preciso que tanto os doutores da Secretaria Estadual de Educação, cedidos à Faetec há muitos anos, quanto os doutores concursados da Faetec tenham o mesmo provento salarial, que não têm atualmente. Hoje em dia, há uma discrepância de quase R$1 mil entre os dois servidores. Um professor-doutor da Faetec ganha por volta de R$3,6 mil e um doutor concursado da Secretaria Estadual de Educação ganha por volta de R$2,6 mil. Não havia uma complementação para que o salário dos servidores cedidos fosse equiparado ao do pessoal da Faetec?No início essa equiparação se efetivava. Com o passar do tempo, à medida em que o profissional adquiria triênios — a equipe que faz essa equiparação entende triênios e ga nhos de direitos funcionais como base salarial, quando, na realidade, não são — essa complementação foi se perdendo. Muitos servidores têm seu contra-cheque de complementação quase zerado. Triênio não é salário, é direito e vantagem do servidor. Houve a redução da complementação salarial ao longo dos anos. Isso é algo que merece um trabalho focado para que todos os profissionais que trabalham na Faetec, hoje, possam ganhar pela formação e pelo tempo de trabalho. Não há, na realidade, como enfrentar isso a não ser com um estudo rigoroso e com a incorporação definitiva desses servidores cedidos ao quadro permanente da Faetec. Hoje nós somos parte do quadro dos servidores da Faetec, mas uma quadro em extinção. Estamos há 12 anos fazendo parte da Faetec. Quando nós fomos cedidos não havia concurso para Faetec e os primeiros concursados foram em regime celetista, depois eles passaram a regime estatutário. A gênese da Faetec foi feita pelos profissionais cedidos pela Secretaria Estadual de Educação. Esses profissionais merecem respeito e reconhecimento.
Qual é o percentual de cedidos e funcionários da Faetec aqui no Iserj?
No Iserj, nós temos 40% de pessoal da Secretaria de Educação, 50% de funcionários da Faetec e 10% de contratados temporários. Ainda há necessidade de fazer contratos temporários para suprir a carência de professores porque não tem ocorrido concursos públicos, por enquanto. Costumamos fazer os contratos temporários para o ensino fundamental e educação infantil, porque não há concursos específicos para esses dois setores. Mas hoje em dia, também contratamos para o ensino médio e ensino superior porque os professores implementadores começaram a se aposentar. A senhora acredita que com um piso de R$950, os professores se sentem estimulados a participar tanto de programas de capacitação quanto de fóruns para discussão de políticas públicas, como a Conferência Nacional de Educação (Conae)?É óbvio que o piso salarial não é o que esperamos. Ter um piso garante que nenhum professor ganhe menos do que R$950. Isso é importante. Contudo, a profissão de professor também não é reconhecida; não apenas pelas autoridades, mas também não é reconhecida pela própria população ainda. As pessoas falam: "É professor e ganha mais do que um engenheiro...". Numa fala dessas já há uma desqualificação de uma profissão em relação a outra. Todos querem ser bons professores, mas quase ninguém orienta seus filhos a ser professor. Há uma desvalorização da profissão de professor generalizada. É preciso uma atenção de todos os profissionais. O professor é o profissional que faz a mediação entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos escolares. É o profissional que pode minimizar a violência. É o profissional que está com as crianças no momento em que os pais estão trabalhando. Na crise ética em que estamos vivendo, precisamos retomar a valorização social do professor. Além da valorização de condições objetivas, que não se dá, é algo que demanda reconhecimento social.
E qual seria o caminho para reverter esse quadro?
A sociedade precisa se organizar e os professores também. Os docentes precisam voltar a respeitar a própria profissão. A senhora acredita que os professores se "auto-desvalorizam" hoje em dia?Existe uma generalização de que a profissão do magistério virou algo que gera vergonha. A auto-estima profissional precisa ser retomada. Se eu amo o que faço, se eu luto para ter bons salários, eu vou valorizar a minha profissão. Mas é preciso ter ética profissional. Eu preciso dar a mesma aula que dou numa instituição particular e dar a mesma aula numa instituição pública. Faltar de forma igual, somente mediante necessidade. Eu não posso nunca faltar na escola particular e tirar todas as faltas do ensino público. Eu não posso dar aula com toda a devoção na rede particular e, na rede pública, ficar sentado ou ler jornal. Então, a ética profissional é algo que nós todos professores precisamos cuidar. A grande maioria dos professores não trabalha nessa ética, mas temos profissionais que fazem isso. E sabemos que isso acontece. E combatemos isso. Trabalho com a profissão do magistério há muitos anos e venho falando que, trabalhando na rede privada ou na rede pública, tenho coerência entre o que eu falo e o que eu faço. E trabalho da mesma forma em ambos os espaços, apesar de, atualmente, trabalhar apenas no espaço público. É preciso que essa ética profissional seja revalidada, porque isso também garante o respeito a nós, professores. O respeito que precisamos ter pelo aluno, o modo como devemos nos dirigir a ele, o respeito que ele exige de nós. Pois, com certeza, vamos exigir que ele tenha respeito por nós.
A forma de o professor tratar o aluno muda da escola pública para a escola privada?
Pode mudar. Porque na escola privada pode-se perder o emprego. Na escola pública, talvez sim, talvez não. O que tenho percebido ao longo desses anos todos é que a ética profissional é fundamental. Tanto na área de Saúde, quanto na área Jurídica, como na de Educação, como na área Política. A ética é demanda de todos nós. Quem é o formador ético do cidadão brasileiro? Quem lida com o cidadão em crescimento e em desenvolvimento todos os dias? Não é o professor? Então, qual é a profissão que cuida da gênese do cidadão? E é exatamente esse que é mais mal remunerado. Estamos em crise ética e profissional da profissão de professor. Espero que superemos a crise com momentos ricos. Mas que todos nós da sociedade brasileira possamos associar que um cidadão que não queira mentir, não queira ser corrupto, não queira roubar, precisa de uma formação ética. E a formação ética de um cidadão passa pelo cotidiano de uma escola.
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