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sábado, 3 de agosto de 2013

A CIGARRA, AS FORMIGAS E A DONA JOANINHA

Mônica Vândala

Por conta da fábula “A cigarra e a formiga” a Cigarra resolver se distanciar sutilmente das companheiras formigas. Buscou outros grupos de convivência que apreciassem o seu canto anunciando o verão, e nas outras estações do ano ela poderia fazer atividades que mais lhe agradassem. Assim, foi parar numa escola para ter ao menos as migalhas da merenda escolar da educação básica nos dias mais frios. E durante as noites poder ficar abrigada escondida num canto qualquer da biblioteca sem dever favor a ninguém lendo o que bem quisesse durante as madrugadas.

Foi assim que a Cigarra descobriu a internet. Navegando na rede leu várias versões reescritas daquela fábula estapafúrdia do tal La Fontaine. Já existia até a “Fábula da Fábula” cantando em versos o seu descompromisso com trabalho. A Cigarra ficou triste? Até poderia, mas não ficou.

A Cigarra inventou que também poderia escrever histórias infantis, afinal escrever para crianças não parecia ser algo assim tão complicado. A Cigarra achava que difícil era escrever para gente grande. Criança acredita em ovos do coelhinho da Páscoa e em papai Noel. Seria moleza, pensou!

Mas mal começou a rascunhar uma fábula a Cigarra percebeu que precisaria estudar mais. Escrever não é tarefa tão fácil assim para quem não encara esse hábito como um exercício diário de leituras e reescritas. E não devemos desconsiderar que as crianças de hoje parecem que já nascem conectadas ao mundo virtual. Fuçam tudo sem ao menos saber ler o manual, do controle remoto ao tablet elas arrasam! Mal aprendem a ler e já saem buscando assuntos variados que lhes interesse. Leem várias histórias online nos mais variados formatos, baixam desenhos e filmes, assistem o que bem querem nos seus canais prediletos do Youtube. Pena que as crianças pobres não têm esse acesso à internet facilitado na infância nem mesmo nas escolas.

Fora o fato de parecer que já haviam escrito fábulas de tudo que é bicho e de tudo que é jeito. Mas vocês pensam que ela desistiu de escrever?

Há muito tempo  a Cigarra aprendeu o significado da palavra resiliência.

Resolveu que poderia ser mais fácil se tentasse escrever sobre algo que lhe desse prazer, mesmo que não fosse exclusivo para crianças. Mas o que seria? Sobre o quê ela poderia escrever?

Por causa de La Fontaine todos já sabiam do que ela mais gostava. Toda cigarra tem alma boêmia e adora cantar. Embora isso parecesse até um grande pecado para os que defendem a meritocracia e gostam de criaturinhas teleguiadas como as formigas e as abelhas que trabalham como escravas apenas para manter o  status quo de suas rainhas. Enfim, esse é um sistema complexo onde os fins justificam os meios, e muitos ainda se sentem seguros assim.

Porém, o que ninguém sabia de verdade é que a Cigarra também gostava de brincar de percussão corporal com crianças e na escola ela aprendeu que poderia escrever sobre o que quisesse, "do parto sem dor ao homem na Lua". Bastava buscar teóricos para fundamentar seus argumentos e ter disposição para ler e escrever com afinco citando honestamente as fontes.

Assim, a Cigarra resolveu que poderia escrever sobre Percussão Corporal! E escreveu um trabalho inicialmente bem simples e até medíocre. Apresentou-o timidamente a um seleto público em um Seminário local. Mas quem leu o trabalho achou que ela poderia escrever mais profundamente sobre o tema e quem sabe poderia inscrevê-lo em um congresso internacional? A ideia pareceu-lhe boa! E foi isso que a Cigarra fez.

Reescreveu com capricho todo o trabalho tranquilamente em formato de oficina, pois pesquisar e escrever não eram mais nenhum bicho de sete cabeças pra ela. Percussão Corporal: o aprendizado dos pés à cabeça foi o título que a Cigarra considerou mais apropriado ao trabalho que escreveu sozinha.

Aconteceu que durante a inscrição desse trabalho no congresso a Cigarra viu nas instruções do site que poderia colocar algumas colegas como coautoras, e pensou alto:
- Por que não? Que mal há nisso? Compartilhar saberes é uma ideia tão boa!

Foi assim que a Cigarra compartilhou sua autoria e colocou como coautoras a Borboleta, a Libélula e a Dona Joaninha, mesmo sabendo que ela era muito amiga das formigas.

***

Assim que o trabalho foi parcialmente aceito todas ficaram muito alegres e eufóricas. Porém, foi aí que a Cigarra começou a perceber a cilada em que se meteu.

Por exigência da comissão científica ainda precisavam descrever minimamente as atividades que fariam nessa oficina, além de reenviar essa reescrita em arquivo PDF dentro de um curtíssimo prazo e na formatação exigida.

Além disso, para apresentar de maneira minimamente decente um trabalho sobre percussão corporal em formato de oficina e com duração de quatro horas para um público adulto e crítico é preciso alguns ensaios para que a afinação desse grupo seja uníssona durante a apresentação ou então, muito descaramento.

Mas reunir-se para ensaiar com suas colegas estava parecendo a missão mais impossível do Rio de Janeiro naquele primeiro semestre tão tumultuado de 2013. Já estavam quase ao final do mês de maio e nada ainda do sonhado ensaio coletivo.

Houve greve de professores e as manifestações explodindo feito milho de pipoca em chapa quente quase diariamente em toda a cidade maravilhosa por causa de várias insatisfações populares de um povo já tão cansado de sempre agir compulsivamente como formiga e abelha.

Ouvi dizer que um tal gigante havia acordado muito pe da vida!

Você acredita que essas manifestações nas ruas começaram por causa da desocupação arbitrária da Aldeia Maracanã e culminaram por conta do aumento de vinte centavos na passagem dos ônibus? Pois é.  Foi  um tal de MPL – Movimento Passe Livre de São Paulo que era patrocinado inclusive pelo PT que começou tudo isso que explodiu em várias manifestações populares pelas capitais do Brasil. Os noticiários nacionais chamavam os manifestantes brasileiros de vândalos e baderneiros. Alguns políticos tentaram até nominá-los de terroristas e propuseram que leis fossem criadas para puni-los exemplarmente relembrando os tempos da ditadura onde o povo não podia sequer reclamar!

A Tropa de Choque do Cabral jogava bombas em cima deles sem dó igual nos filmes de guerras, e assim, sempre tinha início algum quebra-quebra dantesco e colossal, pois até manifestante pacífico estava apanhando da polícia nesses dias tumultuados. Outros diziam que eram policiais infiltrados nas manifestações que iniciavam o tumulto para justificar a ação truculenta da polícia. É só pesquisar na internet sobre: “Mídia Ninja”, “Black Bloc”, "Anonymous", “Protestos e manifestações no Brasil 2013” nas mídias estrangeiras disponíveis na internet, tipo News York Times. Ainda deve está tudo lá. O Brasil virou piada no mundo inteiro por causa desse novo fenômeno chamado redes sociais que disponibilizavam links mostrando em tempo real e sem edição tudo que estava acontecendo por aqui.

Nas nossas mídias tidas até então como oficiais no “padrão plim plim” não vale a pena pesquisar nada, porque a historinha editada por eles foi bem bizarra sempre justificando como necessária a ação dos opressores. Mas deixemos isso pra lá e voltemos a essa história.

***

Enquanto isso a Cigarra enviava e-mails, tentava contato pelo grupo no facebook, marcava as colegas nas postagens para que elas visualizassem obrigatoriamente os dez horários semanais disponibilizados para esses necessários ensaios coletivos, ou incluíssem suas sugestões nas atividades solicitadas pela comissão científica do evento para que recebessem a carta de aceite dentro do prazo estabelecido no edital. Mas a Dona Joaninha sequer respondia os e-mails ou comentava no grupo. Será que ela estava sem internet? Nem o celular ela atendia!

Com as sugestões da Borboleta, da Libélula e uns poucos ensaios conseguiram elencar oito atividades para essa oficina, minuciosamente planejadas pela Cigarra e enviadas dentro do prazo no formato de arquivo solicitado mesmo sem a participação da Dona Joaninha nesse processo. Fazer o quê a essa altura do campeonato?

Mas o tempo foi passando, foi passando ...

E para complicar, nem todas estavam com dinheiro para ir nesse congresso em outro estado e devido à greve acumularam-se trabalhos passados em cima da hora por vários professores para que aquele período fosse validado na escola. Quem tem compromisso com a vida acadêmica sabe o quanto isso é tenso.

Por isso, ficou combinado entre as quatro colegas manter o trabalho inédito. Quando tivesse outro congresso ou seminário num local mais próximo e todas pudessem ir sem altos custos de transporte e estadia poderiam inscrevê-lo novamente e apresenta-lo dignamente sem a pagação de mico costumeira em apresentações improvisadas. Porque embora tenha quem ache que isso é bonito, quem tem um mínimo de consciência crítica sabe o quanto é triste e deprimente, apesar de sempre ter aplausos no final das apresentações. Semelhante aos cerimoniais de enterro nos cemitérios.

Porém, a Dona Joaninha mesmo sem escrever sequer uma linha, participar de pelo menos um ensaio ou solicitar às suas colegas as autorizações assinadas, que ainda estão sinalizadas no site do evento como obrigatórias nesse renomado congresso, foi lá e fez a apresentação na maior cara de pau como se a oficina proposta se resumisse a uma apresentação oral de um trabalho escolar escrito por ela sobre o que a Cigarra faz . Deve ter sido realmente um momento memorável e muito lindo!

MORAL DA HISTÓRIA:
“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política ou futebol com bons sentimentos...” *


ENTRETANTO, O QUE A CIGARRA AINDA NÃO DESCOBRIU FOI COMO A DONA JOANINHA FEZ ESSA MÁGICA SEM AS AUTORIZAÇÕES ASSINADAS. MAS TENHO A SUSPEITA DE QUE QUANDO ELA DESCOBRIR TEREMOS A SEGUNDA PARTE DESSA HISTÓRIA.


"QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS REAIS É MERA COINCIDÊNCIA." SÓ QUE NÃO.

*(Na internet dizem que essa afirmação é de Nelson Rodrigues. Mas como não confirmei em fonte segura a autoria cito-o entre parênteses, pois mesmo correndo o risco de estar equivocada acredito que a frase seja desse saudoso gênio).







Fontes:




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