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terça-feira, 26 de novembro de 2013

PARTILHANDO VIVÊNCIAS, PROJETOS E ESPERANÇAS




Eu sempre fui mesmo que sem querer uma professora, mesmo que de início uma má educadora.
Fui a irmã mais velha, encarregada de ajudar nas lições dos irmãos menores, pois a minha mãe, coitada, não dava conta desse extra. Embora meu pai fosse professor de matemática, era também militar, e essa tarefa de “explicadora” sobrava para mim. Culpo-me até hoje pela má caligrafia que meu irmão caçula, embora morra de orgulho das suas conquistas. Além de militar, ele é graduando de Geografia, mais um futuro professor.
Na infância, eu era a culpada de dar os maus exemplos, de não ensinar direito, e embora pretendesse fazer magistério desde pequena, sempre fui desestimulada a isso, praticamente sabotada, porque já haviam definido que eu faria uma faculdade. Medicina, Engenharia ou Arquitetura? A profissão de professor nessa época já estava em franca decadência.
O grande problema é que não era isso que eu queria. Na época do antigo científico, eu já nem mais sabia o que realmente queria estudar para me profissionalizar. Sempre tive facilidade com matemática, desenho, música e gostava de redação, mas odiava as provas de Gramática, Geografia e Biologia. Eu não pensava seriamente em prestar vestibular, queria apenas ser professora. Mas quando viemos morar no Rio de Janeiro, eu fui matriculada no científico e logo depois a minha mãe adoeceu.
Aos dezessete anos, quando a minha mãe morreu, abandonei tudo, sabendo que estava rompendo laços eternos. Fugi de casa sabendo que não poderia voltar nunca mais. Abandonei a escola e também os meus irmãos, à loucura de um pai desesperado, vendo-se viúvo e responsável por três adolescentes, ainda mais com uma filha quase adulta e problemática como ele dizia que eu era. E talvez eu fosse mesmo.
 Quando resolvi fugir de casa, pensei que parcialmente solucionava um problema familiar, pois seriam, a partir da minha fuga, apenas dois para ele cuidar. Na época, parti sem arrependimentos, embora hoje eu me considere uma covarde, pois deveria tê-lo enfrentado apesar do medo. No entanto, naquela época, eu preferi evitar o confronto e tentar ser feliz.
Mas a vida dá voltas muito rápidas, e não demorou mais que um ano para eu ser a professorinha do MOBRAL de uma cidade litorânea, distrito de Maricá, onde eu também era manicure, sacoleira, diarista e, francamente falando, faltava-me didática, prática pedagógica, e todo o resto que eu nunca estudei para ser uma professora de verdade e conseguir alfabetizar um adulto. Durante essa experiência, eu me tornei quase “psicóloga de boteco”, era mais amiga que professora desses alunos, embora nessa época eu nem bebesse nada alcoólico, mas a minha sala de aula era um ex-botequim em frente à Igrejinha de Itaipuaçu.
Meus alunos adultos eram todos analfabetos funcionais. Quando escreviam era apenas o nome para votar. Esses alunos adultos me cobravam métodos de uma cartilha convencional, mas a metodologia do MOBRAL não era essa. Era uma espécie de Paulo Freire às avessas, e eu jamais consegui alfabetizar realmente sequer um adulto, no máximo formei mais um ou dois analfabetos funcionais. Mas, com as crianças do “MOBRALZINHO”, eu obtive pequenos êxitos, porque com eles eu tinha a possibilidade e a liberdade de trabalhar o lúdico por meio da musicalidade. Eu sabia pelo menos tocar violão e eles adoravam cantar.
De início, estava toda preocupada em ensaiar as músicas infantis recomendadas durante o treinamento, mas os pequenos me pediam para tocar “Fuscão Preto”. Eu também acabava ensinando tabuada cantada batucando nas carteiras, pois eu detestava as músicas bregas, embora vez por outra fizesse a vontade deles. Foi uma experiência única e mágica trabalhar com as crianças, pois o MOBRAL estava acabando na década de oitenta.
 Mas vida mudou novamente. Voltei para o Rio de Janeiro, reencontrei uma paixão adolescente, casei, tive meu primeiro filho, tornei-me uma senhora respeitável nos padrões burgueses. Embora sem o perdão do meu pai, a minha avó paterna de oitenta anos veio morar comigo e me ajudou a criar a minha filha. Na empolgação, eu tive mais dois meninos e, graças à ajuda dela, pude curtir a plenitude das infâncias das minhas crias sendo mãe e educadora deles em tempo integral.
Meus filhos antes da escola já estavam alfabetizados. Cada um no seu tempo e de acordo com nossas possibilidades fez atividades extras como cursinhos preparatórios e aulas de natação, mas todos estudaram o ensino básico em escolas públicas.
Eu sou do tempo que rezavam as lendas: “para respeitar o mar é preciso um susto”; “para aprender a andar de bicicleta tem de cair”, embora aos dez anos eu tenha ensinado meu irmão caçula de cinco anos a me levar de carona na bicicleta sem que ele tenha levado um tombo sequer.
Com os meus filhos também foi tranquilo esse aprendizado. Todos aprenderam sem grandes traumas. Apenas com rodinhas das mais baratas adaptadas às pequenas bicicletas, que se desgastavam rapidamente em um quintal enorme e, quando nos dávamos conta, eles já estavam andando de bicicleta sem as rodinhas. Eu não deixava meus filhos brincarem sozinhos na rua, tinha medo, pois naquela época ainda não existia asfalto no loteamento onde moramos.
O pretenso Condomínio Terra do Sol – Jacarepaguá, em 1993 ainda era apenas uma rua de barro batido sem saída, com os bueiros sem tampa, poucas residências e muitos terrenos desocupados, verdadeiros matagais com gambás, micos, corujas, ratos, lixo e novas construções insurgentes a cada nova estação. Um verdadeiro perigo para as minhas crianças pequenas que até então foram criadas em um apartamento no Grajaú com playground e parquinho.
Para compensá-las, transformei o nosso quintal em um verdadeiro jardim de infância com direito à casa de boneca com caixa de jogos, livros infantis e instrumentos musicais, escorrega, balanço, piscina de fibra mínima – diâmetro de dois metros com altura de cinquenta centímetros – e um tanquinho de areia. Passou a ser um local onde eles podiam trazer seus amiguinhos aos finais de semana e se divertir a valer.
A primeira vez que me senti professora foi quando ensinei meu bebê com menos de um ano a mergulhar naquela minúscula piscina. Depois coloquei todos os filhos em aula de natação com uma professora de verdade, e todos aprenderam a nadar e respeitam o mar.
Mas o momento que me senti uma baita professora das minhas crianças foi quando retornou a moda dos patins. Eu não sabia andar de patins, na verdade, tinha alguns traumas da infância longínqua. Na casa de meus pais, era um par de patins para três crianças, e, quando eles estavam nos meus pés, alguém sempre me empurrava e eu caía. Desisti de tentar aprender a patinar na juventude.
Mas, comprei para meus filhos um par de patins para cada, com todos os protetores necessários e ensinei-os dentro de casa mesmo, eram poucos móveis na sala e, como eles eram tão pequenos, a minúscula casa parecia o corredor de um palácio.
 Quando todos aprenderam, animei-me. Convenci-me de que assim como eu soube ensinar-lhes, também aprenderia. Comprei meus patins, pratiquei em casa e depois fui para a rua com minhas crianças. Fase muito boa curtir minhas crias e a rua recém-asfaltada de nosso condomínio.
Em 2009, com os filhos praticamente adultos, para a decepção de alguns, passei no vestibular do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – ISERJ, uma instituição pública e centenária, referência dos anos dourados da educação pública. Retomei o sonho de infância de ser uma professorinha, e uma das minhas primeiras ações foi abrir um blog para ser uma espécie de caderno virtual da minha turma, compartilhar minhas impressões, dividir com os amigos o nosso aprendizado e me apropriar dessa nova ferramenta educacional. Porém, o blog Pedagogia Iserj tomou uma amplitude que eu nem pretendia, e hoje já tem mais de quarenta e cinco mil acessos.
Por conta desse primeiro blog, ainda em 2009, fui convidada a compor a nova chapa do Centro Acadêmico Cecília Meireles – CACM, simplesmente para abrir um blog para o CACM-ISERJ e podermos deixar públicas as ações dessa representatividade estudantil que estava na transição do Curso Normal Superior para Pedagogia. Fiz parte do CACM até 2012 e também fui conselheira estudantil no colegiado acadêmico do ISERJ durante 2011 e 2012.
Ainda em 2010, enquanto cursava o segundo período de Pedagogia, a convite da minha filha Fernanda, graduanda de Letras na UERJ e de Fabiana Rosa, graduanda de Pedagogia da UERJ, passei a colaborar em um projeto delas junto ao Abrigo Ayrton Senna em Vila Isabel que batizamos com a sigla EAC – Espaço de Aprendizagem Cultural. Duas vezes por semana, durante a tarde, íamos ao abrigo e ficávamos na biblioteca emprestando livros, contando histórias, realizando atividades de leitura e escrita da forma mais natural e lúdica possível. Utilizávamos filmes, músicas, parlendas, dinâmicas de grupo. Muitas vezes era difícil, pois a diversidade da turma era gritante. Tínhamos crianças que estavam alfabetizadas, mas isso não era a regra e ainda faltava-me a prática e a didática de uma professora alfabetizadora.
Para conseguirmos voluntários ou estagiários e podermos dar um atendimento diário às crianças do abrigo, Fernanda e Fabiana escreveram o Projeto EAC e tentaram institucionalizá-lo pela UERJ, mas nada conseguiram. Com a autorização delas, abri o blog Projeto EAC e resolvi tentar essa institucionalização no ISERJ. Sob a coordenação da Malu, atual coordenadora de Pesquisa e Extensão, o projeto foi lindamente reescrito e melhor fundamentado. Porém, apesar de aprovado na reunião do colegiado acadêmico em 2010, o projeto morreu engavetado no setor de estágios do ISERJ, e a ideia de aproveitar aquele espaço no abrigo para estágio obrigatório em espaços não escolares não vingou.
Mesmo assim perseveramos em nosso intuito de levar o projeto adiante durante uns dois anos, mas o espaço conquistado acabou tendo outro destino, voltou a ser espaço de acolhimento de jovens adolescentes que viviam nas ruas em condições de risco.
Em 2011, tornei-me pesquisadora do Projeto Aprender nas Ruas: um projeto transdisciplinar de educação – ProAR, coordenado pela Bia Albernaz. Um projeto com apoio da FAPERJ que nasceu por conta de outro blog, o Cidade Educativa – RJ, criado para publicar os textos produzidos pelos alunos de Pedagogia da disciplina Estudos Interdisciplinares do Rio de Janeiro. E não posso negar que essa experiência de um ano como pesquisadora colaborou para ampliar a minha visão de mundo sobre o que pode ser uma educação transformal além dos muros e grades de uma instituição, pois segundo Jam Clam “A sociedade é, além do privado e do público, o lugar de dissolução de sua diferença”.
Acreditando nesse propósito, comentei a proposta do Projeto EAC em uma reunião com um coletivo que conheci pelo Facebook em 2012 por conta da pesquisa do ProAR. O pessoal da Rede Norte Comum ligado ao SESC-Tijuca abraçou a ideia e está fazendo a diferença para esses jovens no abrigo Ayrton Senna. Esse coletivo tem realizado um trabalho diferenciado por lá com oficinas de produção e edição de vídeo, dobraduras, reciclagem, horta orgânica, debates, etc. Uma vez por mês, nas tardes de sábado, também promovem por lá um evento cultural chamado Ocupa Ayrton onde, compartilhando suas ações nas suas redes sociais, arranjam mais voluntários para disponibilizar aos jovens em condição de acolhimento várias formas de lazer e cultura por meio da arte e da música.
Mas foi principalmente durante essa experiência no Projeto EAC que percebi a real necessidade de investir paralelamente na minha formação contínua com mais especificidade e afinco na alfabetização. Assim, em 2010 decidi fazer o II Curso de Extensão do GEFEL, no qual conheci a Margaridinha e por um semestre também participei como voluntária no seu Projeto Investigativo Lendo e Escrevendo junto às crianças do 5º ano do CAp-ISERJ.
Passei a fazer parte desse grupo de estudos e a ser uma das responsáveis pelas atualizações do blog para a divulgação nas mídias eletrônicas das Sextas no GEFEL, minicursos que acontecem sempre nas tardes das últimas sextas-feiras de cada mês em nossa sala no ISERJ e também divulgar outros eventos ligados à educação nos vários blogs e pages que administro.
No primeiro semestre de 2012, o GEFEL realizou o I Seminário que, além das excelentes palestras no Teatro Fernando Azevedo, também promoveu oficinas nos outros espaços do ISERJ. No segundo semestre, está acontecendo o III Curso de Extensão e, além do quantitativo de inscritas, a frequência das alunas nas manhãs de sábado nos surpreende. Algumas são professoras recém-aprovadas no último concurso público e nos emocionam com suas vivências.
Agradeço ao GEFEL por partilhar suas práticas, dúvidas, equívocos e me acolher no grupo como se eu já fosse uma professora. Nossas reuniões são ímpares para o meu aprendizado, pois é por meio do relato reflexivo sobre a prática diária dessas professoras-pesquisadoras que aprendo a cada encontro em nossas rodas de leitura como se cresce com dignidade, orgulho e prazer nessa profissão.

Além de continuar estudando, uma das minhas ambições pessoais é um dia colocar em prática um projeto ainda inconcluso focado na alfabetização com os jovens das classes populares que fracassam na escola por causa do nosso sistema escolar público excludente e hegemônico. De preferência, um projeto autofinanciável por crowdfunding, gerido por um conselho democraticamente eleito, sem obscuros fins lucrativos, políticos ou pessoais. E não necessariamente ligado a uma instituição escolar que burocratize e dificulte as ações afirmativas por uma questão de disputa de egos ou simples politicagem. Com uma licença poética de Lampeduza, muitas vezes parece que apenas sugerem mudanças para que tudo permaneça como está.

No Brasil, todos os jovens têm direito à educação básica garantido em lei. Têm de estar obrigatoriamente matriculados em alguma escola. Mas alguns vivem eternamente marginalizados dentro do sistema escolar público e excluídos socialmente nas possibilidades de conseguir um trabalho menos braçal na vida adulta, pois, de fato, não se percebem sujeitos alfabetizados com condições de prosseguir em seus estudos e ambicionar uma vida melhor. E o mais triste é que esses jovens acreditam que a culpa por não estarem plenamente alfabetizados é exclusivamente pelo desinteresse escolar deles quando ainda eram crianças e por conta de suas famílias desestruturadas. Como se pertencer a uma família desestruturada fosse prerrogativa apenas de quem é pobre e o único determinante do fracasso escolar.
Por isso, mesmo atualmente participando de outros grupos de estudo e pesquisas mais ligados à Filosofia e à Sociologia, continuo a apostar no GEFEL como fundante para uma melhor formação pedagógica dos profissionais que acreditam na alfabetização como o diferencial necessário aos nossos jovens sobreviventes das violências diárias vividas em nossas comunidades escolares ou grupos sociais.
Compartilhar as experiências de quem vivencia verdadeiramente essa realidade no chão da escola pública é um privilégio de poucos. A preleção do GEFEL é muito diferente dos que apenas teorizam e problematizam a educação, mas preferem mantê-la como está construindo para as crianças e professoras das classes populares muros cada vez mais altos ao invés de pontes.

Referência Bibliográfica:
VALLIM, Mônica. "Partilhando projetos, vivências e esperanças". In: SANTOS, Margarida dos et al. Exercícios de autoria: histórias de vida, narrativas de formação docente do/no GEFEL. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2013.



domingo, 24 de novembro de 2013

ELEIÇÕES DO CENTRO ACADÊMICO CECÍLIA MEIRELES 2013/2014

Chapas quente! 
Entre a cruz e a caldeirinha. 
Foco ou Transparência? 
Eis a questão! 
A composição das chapas está disponível no Facebook 
A eleição será nessa quarta e quinta-feira, 27 e 28 de novembro. 
Participe!!!
Vote!