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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Ser índio em tempos de mercadoria

Tarso de Melo*


A recente divulgação da carta que uma comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Dourados (MS) enviou à Justiça Federal pedindo que, uma vez que não lhes é permitido viver da forma que consideram digna, seja logo decretada a morte de toda a comunidade, por cruel que pareça, não deveria causar espanto. Condenados à morte, sejamos sinceros, os índios brasileiros já estão há mais de 500 anos, mas a execução da sentença é lenta, torturante e cínica.

O que espanta, desta vez, é que os próprios Guarani-Kaiowá tenham pedido ao seu inimigo mais ou menos declarado – esta coisa que insistimos em tratar como “civilização” – que seja mais sincero. Sim, mais sincero e diga claramente que o índio não interessa, não se encaixa no modo de vida a que todos, sem privilégios (ouçam o eco iluminista…), estamos condenados.

Aprendemos com Marx que o capital libertou o trabalhador da escravidão à força, típica de formações econômicas pré-capitalistas, para submetê-lo a uma forma diversa de escravidão: o trabalho assalariado, a compra e venda da força de trabalho. (Sim, ainda há trabalho escravo – e ele não é incompatível com o capitalismo. Apenas não pode ser a regra, porque a valorização do capital depende de sua circulação também na forma de salário, o que não impede que um ou outro capitalista faça uso da extração violenta da força de trabalho.)

O trabalho como mercadoria é – em regra, insisto – o único compatível com uma sociedade em que tudo é mercadoria, em que o acesso aos bens indispensáveis à existência passa inescapavelmente pelo mercado: pagou, tem; não pagou, não tem. Ponto final. É óbvio, neste esquema rigoroso de trocas, que não se tolere qualquer exceção à lógica mercantil. Em outras palavras, o que o capitalismo não tolera é a manutenção, em seu mundo, do que não é mercadoria e, ainda por cima, impede o livre desenvolvimento de suas forças.

O que são, afinal, os índios para a ordem capitalista? Um ônus, um entrave, uma aberração, mas que, por não ser conveniente à “civilização” assim declará-los, recebem da nossa Constituição instrumentos para sua proteção que são constantemente “desmoralizados” (e é inevitável usar aqui esta palavra porque a proteção aos índios assume exatamente uma feição moral na ordem jurídica, ao mostrar como somos gratos e responsáveis com nossas, digamos, “origens”), como na decisão da Justiça Federal que exterminou, por enquanto, a paciência dos índios e sua esperança de viver no espaço que a “civilização” reservou àqueles que a antecederam. E sobreviveram à sua afirmação.

A carta à Justiça Federal não deixa dúvida: os Guarani-Kaiowá cansaram de reivindicar o direito de sobreviver como índios e não aceitam viver senão como índios. Não aceitam migrar para o regime do trabalho precário (prestado, no geral, a quem tomou suas terras) ou da mendicância às margens do exuberante mundo das mercadorias. O “bilhete suicida” que essa comunidade manda para nós, não o tomem como chantagem, “drama” etc. É um “basta”, um “chega”, mas principalmente uma prova de que os índios, com sua habitual sabedoria, entenderam melhor do capitalismo e de sua “civilização” do que nós, que nele estamos afundados até o pescoço – e um pouco mais.

Não só sua própria existência, mas a forma como os índios insistem em mantê-la é uma grande afronta ao capital e sua lógica. Vejam o que diz a carta: “Nós comunidades cultivamos o solo, produzimos a alimentação aqui mesmo, plantamos mandioca, milho, batata-doce, banana, mamão, feijão e criamos de animais domésticos, como galinhas e patos. Aqui agora não passamos fome mais. As nossas crianças e adolescentes são bem alimentadas e felizes, não estão pensando em prática de suicídio. Assim, há uma década, nesses 12 hectares estamos tentando sobreviver de formas saudáveis e felizes, resgatando o nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá, toda a noite participando de nosso ritual religioso jeroky e guachire”. Como assim alimentadas, saudáveis e felizes? Sem ter pago por isso? Este intercâmbio do homem com seus iguais e com a natureza orientado apenas e tão-somente por suas necessidades – do espírito e do estômago – é inadmissível para o capital. Mais ainda: é sobre sua negação que se constituiu a forma como vivemos nos últimos 3 ou 4 séculos.

Os índios, neste contexto, são não apenas supérfluos, mas uma espécie de mau exemplo a ser apagado do horizonte de formas de “ser e viver” à venda – sim, à venda – em nosso tempo. O que será de uma sociedade “sem alternativas” se tolerar uma forma de vida que se nega à troca, ao dinheiro, à concentração da riqueza, ao desperdício? Desta vez, a pedido dos próprios índios, a “civilização” terá oportunidade de declarar o que pensa a este respeito.

A propósito, a Constituição brasileira afirma que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231).

Se nossas autoridades, que têm sua função justificada por essa mesma Constituição, não se preocuparem em respeitar tais palavras, será muito difícil evitar que se confirmem a tragédia da carta dos índios e o pessimismo das linhas acima. Mas também será cada vez mais difícil – creio e espero – manter os grupos oprimidos e suas reivindicações dentro de comportados limites legais.



*Tarso de Melo (1976) é advogado, mestre e doutor em Direito pela FDUSP, professor da FACAMP e coordenador de pós-graduação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É um dos coordenadores da coleção Direitos e Lutas Sociais (Dobra/Outras Expressões).



http://editora.expressaopopular.com.br/noticia/batalha-das-ideias-ser-%C3%ADndio-em-tempos-de-mercadoria

domingo, 28 de outubro de 2012

TRIBUTOS

Claudia Marcia Santana Vaz



Grito verdades
Até a morte grito
Guerra mundial
Holocausto social
Estado fecal
Deus contextual
Crueldade
Mudo conceitos
Encontro lucidez
Convulsões
E preconceitos
Livre, sigo
Palavras
Duplos sentidos
Que louco sou eu?
Personagem real
Língua banal
Significo
Signo
Sem língua
Sem fala



sábado, 13 de outubro de 2012

Sobre pedras e passarinhos


Sobre pedras e passarinhos



Se você disser para um passarinho que ele nasceu para voar, provavelmente ele não ficará supreso. Com a delicadeza e polidez que só os passarinhos possuem, responderá que há anos já sabia disso, e que este fato – o de saber a quê veio ao mundo – o fazia bem.

Se disseres para uma pedra que sua função é a de permanecer parada e impermeável pela eternidade, conformada com o fato de que talvez – e apenas talvez – alguma chuva ou pé humano a troque de lugar, a reação será parecida. Provavelmente ela será um pouco dura, mas te dirá que já sabia disso. E que ela, assim como inúmeras outras criaturas, têm sua visível e eloquente missão. Que se sentem bem com tamanha obviedade, porque é mais seguro e sensato viver em um mundo onde as coisas fazem sentido.
 
[...]
 
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Os cinco estágios da carreira

Existem cinco estágios em uma carreira.

O primeiro estágio é aquele em que um funcionário precisa usar crachá, porque quase ninguém na empresa sabe o nome dele.
No segundo estágio, o funcionário começa a ficar conhecido dentro da empresa e seu sobrenome passa a ser o nome do departamento em que trabalha...
Por exemplo, "José" de contas a pagar.
No terceiro estágio, o funcionário passa a ser conhecido fora da empresa e o nome da empresa se transforma em sobrenome. José da usina tal.
No quarto estágio, é acrescentado um título hierárquico ao nome dele: José, Gerente da usina tal.
Finalmente, no quinto estágio, vem a distinção definitiva. Pessoas que mal conhecem o José passam a se referir a ele como 'o meu amigo José, Gerente da usina tal'.
Esse é o momento em que uma pessoa se torna, mesmo contra sua vontade, em 'amigo profissional'.
Existem algumas diferenças entre um amigo que é amigo e um amigo profissional.
Amigos que são amigos trocam sentimentos. Amigos profissionais trocam cartões de visita.
Uma amizade dura para sempre. Uma amizade profissional é uma relação de curto prazo e dura apenas enquanto um estiver sendo útil ao outro.
Amigos de verdade perguntam se podem ajudar. Amigos profissionais solicitam favores.
Amigos de verdade estão no coração. Amigos profissionais estão em uma planilha.
É bom ter uma penca de amigos profissionais. É isso que, hoje, chamamos networking, um círculo de relacionamentos puramente profissional.
Mas é bom não confundir uma coisa com a outra.
Amigos profissionais são necessários.
Amigos de verdade, indispensáveis.
Imagine você um dia descobrir que tinha bem mais amigos do seu cargo do que da sua pessoa!
Algum dia, e esse dia chega rápido, os únicos amigos com quem poderemos contar serão aqueles poucos que fizemos quando amizade era coisa de amadores.
Por isso preservem as amizades verdadeiras porque os amigos da tua posição desaparecerão, os amigos da sua pessoa permanecerão do teu lado.


____________Max Gehringer
 
#DICA WILSON SANTANA
 
 
 
 
 
Faz lembrar um velho ditado:
 
"Nessa vida os amigos que faremos caberão em apenas uma das mãos. São esses poucos verdadeiros quem carregarão o nosso caixão."

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Subvertendo paradigmas - Antonin Artaud

Mônica Vallim



Na medida em que se permite um mergulho na profundidade das obras de Antonin Artaud , a dualidade de tudo que existe vai aflorando de forma latente em seus escritos, inquietando o espírito do leitor espectador, questionando a racionalidade imposta pelo conhecimento científico e pelo positivismo. Determinadas cartas ao seu médico ferem a alma ao descrever o sofrimento de um homem sensível e inteligente que sente o seu direito de Homo sapiens ser usurpado. Sente-se esvaziado do seu ser pelo tratamento médico recebido no Hospital Psiquiátrico de Rodez . Escrever torna-se a ferramenta encontrada por Artaud para manter-se lúcido e questionar a sociedade.

Algumas vezes a sua linguagem parece um enigma atroz a ser desvendado em meio ao turbilhão de sentimentos e de blasfêmias oriundos do horror que sentia com as sensações de esquecimento provocadas pelo tratamento psiquiátrico vigente àquela época, a sismoterapia. Em outras parece tão óbvia desnudando a crueldade do estigma de um louco que por meio de suas cartas reinventou o teatro, a si mesmo e a psiquiatria. Apesar das várias sessões de eletrochoque, conseguiu manter a sua louca lucidez e rompendo com o teatro de sua época, recriou-o psicologicamente marginal, da forma como o conhecemos hoje, despojado do formato de mero entretenimento literal.

O teatro artaudiano teve o expurgado propósito de romper padrões, para tocar subjetivamente o puro e atingir o imutável universo cósmico subvertendo o mundo ao fazer o espírito sangrar na união corpórea em cena, no palco. Assim, mesmo estando internado em um sanatório, ele cria o projeto de um novo teatro psicologicamente reflexivo incorporado de angústias sociais, tormentos humanos, revelações e revoluciona culturalmente a sua época com a obra “O teatro e seu duplo”. Para Artaud o teatro é a sua vida, e a sua vida é o seu laboratório de ensaios.

Um teatro em constante movimento etéreo, corporal e ambíguo aos extremos, que contempla múltiplas linguagens. Algo essencialmente psíquico, mágico e subversivamente perturbador. A linguagem escrita deixa de ser a protagonista do espetáculo. A linguagem cênica assume seu papel cerimonial. Por meio de gritos, gestos e atitudes novos signos são criados para pontuar essa teatralidade corpórea. Essa nova linguagem visceral e obscura transmuta-se adquirindo o valor das palavras. “O corpo sem órgãos”.



O legado de seus registros  tanto para as artes cênicas quanto para a literatura e a psiquiatria transpõe o seu tempo, o século das grandes guerras. A sensação é que Antonin Artaud utilizou-se desse estado psíquico de demência para experimentar a liberdade derradeira da criação atemporal. Recriando-se no teatro recriou-se na vida, mantendo sua mente ativamente buscando autocuras. E independente das consequências, ele realmente ousou buscá-las. A única maneira de sobreviver e transpor seus conflitos existenciais foi pensar à frente de seu tempo. Aprende a renascer eternamente a partir do caos e do devir, juntando as várias linguagens da arte como em um ritual.

Reler as cartas de Artaud é perceber a subjetividade na crise existencial do desespero de um homem que passou por duas guerras mundiais vivenciando a Europa ser destruída. Mesmo internado por muitos anos em sanatórios, produziu um acervo riquíssimo que permite reconhecê-lo nos grandiosos espetáculos teatrais contemporâneos e na antipsiquiatria. Sua obra surgiu com o firme propósito de impactar a sociedade, romper paradigmas a qualquer custo. Sua produção textual não poderá jamais ser rotulada como insana ou superficial.

Sendo assim, o tributo de Antonin Artaud às artes cênicas e à ciência psiquiátrica ainda se perpetuará por muitos anos. Suas ideias foram muito além do que se pressupõe racionalmente estabelecido como certo ou errado, bom ou mau, profano ou sagrado. Para compreender o pensamento artaudiano, deve-se partir da premissa que toda existência no plano físico ou psíquico existe inata e coadunada ao seu duplo antagônico na metafísica cruel.


Leia outros resumos ou consulte a bibliografia disponível em arquivo PDF clicando em:
 O TEATRO E SEU DUPLO

O grupo, coordenado pelo Professor Marcio Sales, se reúne às quintas-feiras no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, sala 222, das 16h às 18h. Rua Mariz e Barros 273, Praça da Bandeira.
Basta comparecer.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Tombamento do Centro Cultural Indígena - Aldeia Maracanã

Todas as nossas forças na aprovação dessa lei

O respeito aos povos indígenas do país é um pilar da democracia brasileira. Com o intuito de fincar ainda mais essa bandeira na cidade do Rio de Janeiro, os vereadores Reimont (PT) e Eliomar Coelho (PSOL) apresentaram à Câmara do Rio o Projeto de Lei nº 1536/2012, que dispõe sobre o tombamento do Centro Cultural indígena da Aldeia Maracanã, no antigo Museu do Índio, situado à Rua Mata Machado, 127, Maracanã.

Segundo a proposta, o prédio, tombado por seu relevante valor arquitetônico, histórico e cultural, será destinado ao usufruto exclusivo da Cultura Indígena, promovendo assim a preservação dos costumes, crenças e tradições destes povos. A lei ainda obriga o Poder Executivo a realizar a inscrição deste tombamento no Livro de Tombos dos Bens Culturais do Município, tal como consta no Registro Geral de Imóveis (RGI) e nos livros de Saberes e Lugares no prazo de quinze após a publicação desta Lei, se a mesma for aprovada.

"O tombamento tem seu fundamento não apenas em sua preservação, tendo em vista o precário estado de conservação, mas ajudará no trabalho de revitalização da própria área em que se insere o imóvel", justifica Eliomar Coelho, um dos autores do projeto. "Sua importância também se deve ao fato de ser o Centro Cultural Indígena da Aldeia Maracanã uma referência centenária para a população indígena da cidade do Rio de Janeiro, desde as expedições de Rondon, e posteriormente por abrigar o Museu do Índio", finaliza o vereador Reimont, também autor da matéria.


Fonte: http://www.camara.rj.gov.br/noticias_avisos_detalhes.php?m1=comunicacao&m2=notavisos&id_noticia=4813

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Uma lenda indígena: Os dois lobos




“Uma noite, um velho índio falou ao seu neto sobre o combate que acontece dentro das pessoas.


Ele disse:

– A batalha é entre os dois lobos que vivem dentro de todos nós. Um é Mau. É a raiva, inveja, ciúme, tristeza, desgosto, cobiça, arrogância, pena de si mesmo, culpa, ressentimento, inferioridade, mentiras, orgulho falso, superioridade e ego.

O outro é Bom. É alegria, fraternidade, paz, esperança, serenidade, humildade, benevolência, empatia, generosidade, verdade, compaixão e fé.

O neto pensou nessa luta e perguntou ao avô:

– Qual lobo vence?

O velho índio respondeu:

– Aquele que você alimenta!”