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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Subvertendo paradigmas - Antonin Artaud

Mônica Vallim



Na medida em que se permite um mergulho na profundidade das obras de Antonin Artaud , a dualidade de tudo que existe vai aflorando de forma latente em seus escritos, inquietando o espírito do leitor espectador, questionando a racionalidade imposta pelo conhecimento científico e pelo positivismo. Determinadas cartas ao seu médico ferem a alma ao descrever o sofrimento de um homem sensível e inteligente que sente o seu direito de Homo sapiens ser usurpado. Sente-se esvaziado do seu ser pelo tratamento médico recebido no Hospital Psiquiátrico de Rodez . Escrever torna-se a ferramenta encontrada por Artaud para manter-se lúcido e questionar a sociedade.

Algumas vezes a sua linguagem parece um enigma atroz a ser desvendado em meio ao turbilhão de sentimentos e de blasfêmias oriundos do horror que sentia com as sensações de esquecimento provocadas pelo tratamento psiquiátrico vigente àquela época, a sismoterapia. Em outras parece tão óbvia desnudando a crueldade do estigma de um louco que por meio de suas cartas reinventou o teatro, a si mesmo e a psiquiatria. Apesar das várias sessões de eletrochoque, conseguiu manter a sua louca lucidez e rompendo com o teatro de sua época, recriou-o psicologicamente marginal, da forma como o conhecemos hoje, despojado do formato de mero entretenimento literal.

O teatro artaudiano teve o expurgado propósito de romper padrões, para tocar subjetivamente o puro e atingir o imutável universo cósmico subvertendo o mundo ao fazer o espírito sangrar na união corpórea em cena, no palco. Assim, mesmo estando internado em um sanatório, ele cria o projeto de um novo teatro psicologicamente reflexivo incorporado de angústias sociais, tormentos humanos, revelações e revoluciona culturalmente a sua época com a obra “O teatro e seu duplo”. Para Artaud o teatro é a sua vida, e a sua vida é o seu laboratório de ensaios.

Um teatro em constante movimento etéreo, corporal e ambíguo aos extremos, que contempla múltiplas linguagens. Algo essencialmente psíquico, mágico e subversivamente perturbador. A linguagem escrita deixa de ser a protagonista do espetáculo. A linguagem cênica assume seu papel cerimonial. Por meio de gritos, gestos e atitudes novos signos são criados para pontuar essa teatralidade corpórea. Essa nova linguagem visceral e obscura transmuta-se adquirindo o valor das palavras. “O corpo sem órgãos”.



O legado de seus registros  tanto para as artes cênicas quanto para a literatura e a psiquiatria transpõe o seu tempo, o século das grandes guerras. A sensação é que Antonin Artaud utilizou-se desse estado psíquico de demência para experimentar a liberdade derradeira da criação atemporal. Recriando-se no teatro recriou-se na vida, mantendo sua mente ativamente buscando autocuras. E independente das consequências, ele realmente ousou buscá-las. A única maneira de sobreviver e transpor seus conflitos existenciais foi pensar à frente de seu tempo. Aprende a renascer eternamente a partir do caos e do devir, juntando as várias linguagens da arte como em um ritual.

Reler as cartas de Artaud é perceber a subjetividade na crise existencial do desespero de um homem que passou por duas guerras mundiais vivenciando a Europa ser destruída. Mesmo internado por muitos anos em sanatórios, produziu um acervo riquíssimo que permite reconhecê-lo nos grandiosos espetáculos teatrais contemporâneos e na antipsiquiatria. Sua obra surgiu com o firme propósito de impactar a sociedade, romper paradigmas a qualquer custo. Sua produção textual não poderá jamais ser rotulada como insana ou superficial.

Sendo assim, o tributo de Antonin Artaud às artes cênicas e à ciência psiquiátrica ainda se perpetuará por muitos anos. Suas ideias foram muito além do que se pressupõe racionalmente estabelecido como certo ou errado, bom ou mau, profano ou sagrado. Para compreender o pensamento artaudiano, deve-se partir da premissa que toda existência no plano físico ou psíquico existe inata e coadunada ao seu duplo antagônico na metafísica cruel.


Leia outros resumos ou consulte a bibliografia disponível em arquivo PDF clicando em:
 O TEATRO E SEU DUPLO

O grupo, coordenado pelo Professor Marcio Sales, se reúne às quintas-feiras no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, sala 222, das 16h às 18h. Rua Mariz e Barros 273, Praça da Bandeira.
Basta comparecer.

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